Aprender a perguntar é a
primeira ação, no âmbito da formação escolar, da cidadania ativa.
Este artigo é uma contribuição à lingüística pedagógica. A
formulação de perguntas expressivas não é uma eficiente estratégia
para racionalizar o tempo e favorecer a participação dos alunos nos
seminários? O texto procura responder a esta questão inicial e
apresentar de algumas técnicas de elaboração de perguntas
expressivas, de modo a favorecer, durante as realização dos encontros
pedagógicos, a objetividade, a simplicidade, a clareza e a
gramaticalidade dos questionamentos.
Passo a passo:
A importância da pergunta para o
aprendizado:
1. Quem pergunta, conhece melhor.
A partir das observações que fizemos dos encontros pedagógicos, no
magistério da educação básica e superior, nos últimos 15 anos,
proporíamos algumas questões preliminares para nossa reflexão: a) É
possível, tecnicamente, aprimorarmos a elaboração das perguntas no
momento de uma palestra? b) Existiria, assim, uma técnica de perguntar?
c) Como transformar uma indagação, durante um seminário de estudo, em
uma pergunta expressiva? d) Como se estrutura eficazmente a frase com
que se interroga um palestrante ou um conferencista? e) Por que é
importante o exercício de perguntar na educação escolar?
2. Um dos maiores equívocos que
um palestrante pode cometer contra sua assistência é o de acreditar
que os participantes do seminário só aprendem quando prestam atenção
a toda informação que os mesmos transmitem. Isso gera uma atuação
passiva dos participantes e a conseqüente aceitação automática das
idéias e valores dos conferencistas. Criar um comportamento passivo na
platéia não é peculiar a conferencistas autocráticos, mas a boa
parte dos docentes da educação escolar, que vão do ensino fundamental
à pós-graduação. Ao contrário de serem estimulados, através das
perguntas, a indagar a respeito do sentido da realidade que os cerca,
geralmente os alunos ou espectadores tendem a ter um comportamento
meramente passivo. Quando, depois de uma conferência ou aula, o auditório
não faz uma pergunta ao conferencista, com certeza, os espectadores não
encontraram sentido do tema na sua prática social ou em suas vidas.
Perguntar é uma forma de conhecer a verdade, de dar sentido ou validade
à abordagem e tema transmitidos durante uma palestra ou aula.
3. Em seminários temáticos, com
uma certa freqüência, se tem constatado que muitos alunos ainda têm
resistência ou sofrem inibição na hora de perguntar. Por trás de
toda inibição está, em geral, uma forma retaliação ou interdição
do corpo (aquele “cala boca, menino”, da época escolar). Na educação
escolar, é comum encontrar situação em que o professor adverte o
aluno para não perguntar muito como forma de não “atrapalhar” o
andamento da aula. Depois de um onze anos nesse processo de inculcação
escolar, o aluno teme que ao perguntar ou expressar honestamente suas
opiniões corre o risco de ser retaliado, reprovado ou expulso da sala.
4. Quem ministra aulas ou profere
conferências, com titulação universitária ou com muitos anos de
experiência na área em que atua, reluta em aceitar que os alunos
encontrem, por si mesmo, o que é verdadeiro. Durante uma aula ou conferência,
o ato de transmitir ou “ensinar” um conceito, um princípio ou dar
uma “resposta na ponta da língua” não é mais importante do que
levar o aluno a refletir como e por que chegou à determinada conclusão.
5. É o exercício de perguntar
que transforma uma aula ou uma palestra em uma aprendizagem
significativa. Isso porque toda aprendizagem é um processo contínuo,
uma descoberta pessoal ou uma redescoberta interpessoal. É a pergunta
que socializa o conhecimento.
6. Através do exercício de
perguntar os alunos ou espectadores estabelecem suas dúvidas,
sentimentos e valores. Quem pergunta, descobre as implicações de suas
opiniões ou comportamentos propostos para si e para os outros.
Perguntar é também uma forma de o aluno identificar as soluções mais
plausíveis para os problemas da realidade em que vive. Por fim, quem
pergunta acaba por encontrar uma possível alternativa, no mundo do
trabalho e na prática social, que lhe parece mais efetiva e mais
eticamente válida.
7. Na medida em que temos a
liberdade de questionar ou a experiência de aprender a questionar e
refletir sobre esse exercício, aprendemos a expor nossa cosmovisão
(concepção ou visão de mundo) de forma honesta, livre e totalmente
desbloqueada de formas inibidoras de nossa expressão oral.
8. É no processo de
questionamento que encontramos o único e mais eficaz caminho para
formarmos pessoas munidas de recursos e capazes de responder às questões
da realidade social de forma criativa, construtiva e responsável.
Os tipos de pergunta:
1. No âmbito da Educação, ainda
não foi elaborada uma pedagogia ou metodologia de perguntar. Ensaiaríamos
aqui um sistematização de formas ou maneiras de perguntar:
- pergunta de investigação: este tipo
de pergunta tem como fim pesquisar (no sentido acadêmico) algo da
realidade em que o aluno já tua profissionalmente;
- pergunta de informação: a pergunta
tem por fim uma solicitação de dados para a formação de um juízo de
valor sobre determinado assunto;
- pergunta de esclarecimento: nesse caso,
a pergunta tem por fim o pedido ou busca de elucidação ou explicação
de algo a partir do próprio conteúdo da palestra ou aula;
- pergunta de algibeira: a pergunta é
feita com o intuito de confundir o palestrante, em geral, de resposta
difícil e embaraçosa por parte do interlocutor.
2. Durante os seminários pedagógicos,
que se caracterizam por encontros de estudos, em que são debatidos
assuntos da área política, social, econômica e jurídica,
apresentados por professores universitários, parlamentares e
representantes de entidades públicas e privadas, qualquer um dos tipos
de pergunta acima deve ser encorajado a ser praticado pelos alunos.
3. A pergunta, seja qual for a sua
natureza, isto é, informativa, investigativa, elucidativa ou falaciosa,
deve utilizar-se do estilo objetivo, claro, conciso, o que significa da
parte do aluno a aquisição da arte de perguntar. É essa condição de
arte que torna o ato de perguntar uma aquisição de habilidade de
expressão oral. A pergunta expressiva se caracteriza pelo
questionamento claro, que expressa personalidade de quem fala e, por
conseguinte, talento ou inabilidade do perguntador.
Elaborar a pergunta:
1. Lembre-se que: ninguém nasce
perguntador. Perguntar bem e expressivamente não é dom, e sim, uma
habilidade adquirida com muito esforço. Aprender a perguntar
competentemente, de forma expressiva, exige do aluno o cumprimento de
procedimentos elementares. Enquanto habilidade, o exercício de
perguntar se apóia no método processual, isto é, aprende-se a
questionar em passos, em etapas.
2. Antes de fazer um
questionamento é importante que o aluno aprenda a organizar a própria
pergunta, o que equivale a dizer, a organizar a idéia a ser investigada
ou esclarecida. A melhor maneira de se organizar uma idéia, a ser
transformada em pergunta, é saber seu conceito, isto é, perguntar a si
próprio: “Dessa idéia a ser exposta, o que já sei claramente?”.
Por isso, não devemos perguntar o que obviamente já temos como
resposta. Devemos perguntar o que desconhecemos após acionarmos nossos
esquemas cognitivos.
3. Faça a pergunta por escrito.
Mesmo para quem julga ter uma memória extraordinária, não deve
descartar o registro escrito de sua pergunta e atentar que, para quem
pergunta, o importante é a resposta eficaz e, para quem vai ser
questionado, o importante é que entenda bem, tenha idéia clara do que
lhe é indagado. A pergunta resulta de idéias. A boa pergunta resulta
de idéias bem escritas, isto é, aconselhamos que se faça pergunta após
registro das idéias no texto escrito. Quanto mais registramos idéias
no papel, mais habilidade e segurança teremos de expô-la, sabendo,
também, distinguir idéias secundárias e essenciais, o que vale também
para melhor qualificarmos as perguntas. É exatamente no processo de
construção de idéias que devemos conduzir a arte de bem fazer uma
pergunta expressiva.
4. Associe a pergunta à fala do
palestrante. A pergunta deve ter alguma relação com o conteúdo e o
universo cognitivo do palestrante. Nesse sentido, uma pergunta que não
tem nada a ver com o que foi exposto pelo palestrante não é oportuna
ou apropriada durante o tempo de debate. Em seminários mais abertos e
participativos, o aluno sendo a estimulado a perguntar como exercício
de expressão oral, o palestrante deve ser advertido prontamente do
conteúdo da questão para que não se sinta, desnecessariamente,
constrangido, embaraçado ou impotente diante da platéia. Nem sempre
conhecemos a verdade através das perguntas.
5. Outro passo importante: uma
pergunta deve estar a serviço do desenvolvimento do próprio raciocínio
de quem pergunta, de modo que se sinta consciente do assunto que
questiona e da responsabilidade de sua pergunta, isto é, das conseqüências
que sua pergunta pode gerar. Particularmente acho salutar intervenções
que visem colocar em evidência as contradições do discurso do
palestrante, o que exige de quem pergunta muita atenção ao discurso
proferido, isto é, uma escuta ativa.
6. Aprender a ouvir é importante
para questionar o interlocutor. Quando questionamos ou relativizamos
posições duras e ortodoxas do discursador é previsível algumas reações:
a primeira é o palestrante ficar acuado, confuso, perplexo, se não tem
suficiente competência ou segurança sobre o que diz e pensa; ou, então,
refutá-la com argumentos e contra-argumentos convincentes. Com ou sem
convergência de idéias, nos seminários temáticos, quando não se
alcança o consenso, é sempre possível o favorecimento do diálogo,
isto é, de troca de saberes.
7. As pessoas que perguntam devem
levar em conta que uma palestra é, por mais que se conheça previamente
o assunto, sempre uma possibilidade de inovação de idéias ou inquietação
intelectual do ouvinte. Ora, se há nova informação, inclusive, com o
acréscimo do acervo cultural do aluno, nada o impede de rever as
“perguntas de algibeira”, ou seja, aquelas perguntas que faríamos
antes mesmo de ouvirmos a palestra. Uma palestra não se esgota no
debate, mas é algo que pode, a partir do questionamento, inquietar por
toda vida o emissor e o receptor. Por isso, seria recomendável que o
palestrante antes de desenvolver sua palestra (na verdade, uma conversa
colaborativa), indagasse da platéia seus principais questionamentos
sobre o assunto antes de expor (ou impor) seu discurso e, só a partir
daí, dar a conhecer o que trouxe de palestra para sua assistência. É
procedimento metodológico eficiente o palestrante reconhecer, diante de
uma assistência seleta, que ninguém é uma tabula rasa.
8. Saiba que duvidar é a melhor técnica
de perguntar. Se de um lado reconhecemos a necessidade de conhecer a técnica
de perguntar expressivamente, é no esforço do aluno que será
desenvolvida a arte, a capacidade de perguntar bem, de forma clara,
simples e objetiva. A técnica de perguntar mostra que um questionamento
é sempre um momento de construção do aprendizado; daí a importância
do empenho de quem pergunta e da valorização do questionamento por
parte de quem é interrogado. O empenho do aluno, a desconfiança de que
nenhuma informação transmitida é gratuita, ou seja, tudo que se
transmite tem uma razão de ser e reflete ideologia de quem repassa a
informação ou conhecimento, pode significar, na prática, uma
edificante processo de aprender a questionar de forma expressiva.
9. Para aprender a formular uma
boa pergunta, enfim, é preciso considerar que cada pergunta não é uma
fórmula pronta e acabada, mas produto de uma série de operações que
sintetizo assim:
- A boa pergunta resulta de um
planejamento de expressão oral. Deve o aluno planejar o que vai
perguntar e principalmente levar em conta o tempo de pergunta. Quem
planeja, aprende a distribuir o tempo no ato de perguntar, de modo a
viabilizar o tempo para a resposta à sua indagação. Por isso, é de
grande valia escrever, em rascunho, a pergunta que vai ser expressa
oralmente.
- A pergunta deve ter um objetivo bem
definido. Em um seminário temático, voltado à formação, uma
pergunta é uma forma que o aluno tem de melhor organizar as informações
recebidas. A extensão da pergunta depende, essencialmente, do objetivo
e da capacidade e rapidez de quem vai formular a perguntar. Uma pessoa
que tem dificuldade de articular as palavras deve formular perguntas com
frases curtas, sem rebuscamentos sintáticos (por exemplo, evitar orações
complexas como as subordinadas) para se fazer compreender imediatamente
pelo palestrante e pela própria platéia.
10. A arte de bem fazer uma
pergunta expressiva lembra muito a habilidade de andar de bicicleta. Nos
primeiros dias, são muitas as tentativas, exercícios, boa vontade e
tempo. Com o tempo, andamos com desenvoltura e retemos uma destreza que
levamos por toda vida. Assim, aqueles que desejam a aprender a inquirir
de forma concisa devem ter a disposição de perguntar sempre, bem ou
mal; o importante é perguntar como forma de expressar o que sente, o
que sabe, enfim, seus valores, e, com isso, fazer a descarga de seu
discurso e expressão oral. Fazer pergunta é uma forma de valorizarmos
nossa cosmovisão (visão de mundo), nossa fala e nossos sentimentos
historicamente construídos na relação com o outro.
Veja também:
|