Origens e evolução
Graduado em Educação Física pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(PUC-CAMPINAS)
Estágio de treinamento e aperfeiçoamento na Universidade Waseda e Instituto
Kodokan, Tokyo, Japão.
Mestre em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP)
Professor da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (1987-1993)
Professor da Faculdade de Educação Física PUC-CAMPINAS (1974-2000)
Professor sétimo Dan em Judô, sétimo Dan em Jiu Jitsu (JJIF) e sexto Dan em
Brazilian Jiu JiItsu
Membro da Comissão Nacional de graduação da Confederação Brasileira de Judô
Prof. Ms. Odair Antonio Borges
odair.borges@yahoo.com.br
(Brasil)
Resumo
Devido aos inúmeros questionamentos em relação às diferenças terminológicas e
estruturais sobre o Jiu Jitsu e Jiu Jitsu brasileiro, este artigo busca
desmistificar conceitos popularizados e de senso comum que dizem respeito à(s)
modalidade(s), por meio de investigação histórica cronológica sobre suas raízes
orientais e ocidentais. Percebe-se que apesar das diferenças concernentes à
pronúncia dos ideogramas, as palavras Ju Jutsu, Ju Jitsu e Jiu Jitsu possuem o
mesmo significado. Porém, no que se refere ao Jiu Jitsu Brasileiro, o
desenvolvimento aprofundado da luta de solo conferiu características peculiares
a esta modalidade, que possui diferentes federações e diversas competições
mundiais, o que demonstra sua falta de padronização e remota possibilidade de
integrar os Jogos Olímpicos, por sua vez.
Unitermos: Jiu Jitsu. Brasileiro. Origens.
INTRODUÇÃO
Este artigo é resultado de pesquisa realizada sobre origens do Judô durante o
processo de mestrado (BORGES, 1989) que culminou em discussões e reflexões que
perduram no meio acadêmico até os dias atuais.
Propõe-se com este trabalho científico, investigar as origens e evolução do Ju
Jutsu (Jiu Jitsu), na tentativa de esclarecer e dirimir a polêmica existente
sobre a modalidade no Brasil, considerando questões estruturais e
terminológicas.
Adeptos e instrutores da modalidade, embasados no senso comum, muitas vezes
fazem citações sem a devida preocupação com a comprovação científica, gerando
distorções que tendem a se ampliar no tempo e no espaço, fruto da transmissão
oral do conhecimento.
Este estudo, constitui-se numa revisão de literatura (THOMAS & NELSON, 2002)
baseada em obras clássicas internacionais e nacionais, assim como em artigos
científicos e também publicações diversas sobre a temática Jiu Jitsu e Brazilian
Jiu Jitsu. Algumas informações mais específicas, foram obtidas na
“International Budo University” no Japão, em 1986, durante estágio de estudo
e pesquisa.
Ju Jutsu: questões grafológicas
Na transcrição dos ideogramas da grafia japonesa para a escrita em caracteres
romanos, adota-se como norma o sistema Hepburn (1815-1911) que representa
graficamente os sons do idioma japonês utilizando o alfabeto latino (FRÉDÉRIC,
1996). Este é o mais freqüentemente usado e universalmente seguido por
estudiosos, instituições acadêmicas e os mais conceituados lexicógrafos.
A “nacionalização” da escrita de vocábulos japoneses, visando aproximá-los da
pronúncia de cada língua, torna muitas vezes irreconhecíveis as palavras
nipônicas e cria uma confusão lingüística sem reproduzir com fidelidade a
fonética japonesa. Dentro desta orientação, seguimos a praxe universal de
respeitar as tradições japonesas.
Desta forma é possível compreender as dificuldades de padronização da
terminologia acerca do Ju Jutsu, que dependendo do país e cultura em que é
praticado, varia de nome. Ora Ju Jutsu, ora Ju Jitsu, ora Jiu Jitsu, apesar
destas divergências, todas as expressões designam o mesmo significado.
O Ju Jutsu é escrito com dois ideogramas, JU (柔) e JUTSU (術), cuja pronúncia
para o primeiro é entre “ju” e “dju”, o segundo entre “djutsu” e “djitsu”.
Quando transcrito em letras romanas, o japonês usa a grafia “Ju Jutsu”. No
ocidente existem diferenças na escrita e na fala, conforme a grafia e pronúncia
de cada idioma. O mais correto é pronunciar e escrever o JU e JUTSU, pois o JU é
o mesmo ideograma usado para escrever JUDÔ, portanto, seria incorreta a escrita
e a pronúncia JIU DO.
O ideograma de origem chinesa “JU” tem vários significados e interpretações,
podendo ser; flexível, suave, maleável ou brando. Sua pronúncia varia conforme a
combinação com outro ideograma que o completa e de como é usado em uma frase. Os
ideogramas (chamados kandji) são caracteres que contem em si uma idéia e
geralmente podem ser lidos de duas maneiras; a Chinesa (on) e a Japonesa (kun).
O ideograma JU ou NYU na leitura Chinesa, pode também ser lido como “YAWA” na
leitura Japonesa e é o mesmo ideograma para escrever JU DÔ e JU JITSU. Yawarakai
quer dizer, flexível, suave, maleável, e Yawara Jutsu foi um dos antigos e o
último nome da luta, antes de se tornar Ju Jutsu (KODOKAN, 1961).
A Ju Jitsu International Federation (JJIF), que hoje dirige esta
modalidade no mundo, adotou a escrita Ju Jitsu em 1987, na sua fundação, pelo
fato de mais se aproximar do original e também por ser o ideograma JU o mesmo
usado em JUDÔ (JJIF, 1994).
A European Ju Jitsu Federation adotou esta grafia em 1977, pois já era
usada pela maioria dos países deste continente. Para exemplificar podemos citar
algumas federações estrangeiras que utilizam a terminologia de maneira
divergente: “Federação Francesa de Judô, JU JITSU, e Disciplinas Associadas”. A
“Federação da Alemanha e da Suécia usam JU JUTSU e a da Inglaterra JIU JITSU” do
mesmo modo que no Brasil, assim difundido por uma questão de pronúncia e adotado
pela Confederação Brasileira de Jiu Jitsu (JJIF, 1994).
Neste trabalho utilizo algumas vezes o nome JU JUTSU, pois assim foi encontrado
na bibliografia consultada. Para a Federação Internacional de Ju Jitsu, a
maneira de escrever não significa que seja uma modalidade diferente de luta, o
que não impede a participação de mais de oitenta (80) países nos cinco
continentes, nas competições organizadas e dirigidas por essa entidade.
Portanto, o JIU JITSU, JU JITSU ou JU JUTSU correspondem a uma luta única,
que não é diferenciada pela maneira de escrever ou de falar.
“JU”. O significado e a história
O “JU” usado em Ju Jutsu aparece no manuscrito Chinês sobre estratégia militar
chamado “San Riaku” do período Chou (1122-255 A.C.) e, mais tarde apareceu em
trabalhos do destacado estrategista Hwang Kung do período de Han (221-206 A.C.)
e depois, passou a ser usado também por Chiang Liang, outro estrategista
militar. O significado de “JU” no manuscrito “San Riaku” é baseado no pensamento
de Lao Tse (KODOKAN, 1961). O conceito de Lao no “I Ching” (o livro das
mutações) através do princípio de positivo e negativo da filosofia Chinesa teve
uma considerável influência no lutador de Ju Jutsu japonês do período Tokugawa
(1600 – 1868). Isto é evidente em documentos de várias escolas.
A escola “Sekiguti”, fundada por Jushin Sekiguti no século XVII, que aperfeiçoou
as técnicas de cair sem machucar-se, caracterizou o JU como a combinação da
suavidade com a força. A escola “Shibukawa” manteve o JU significando maleável
ou submisso. A escola “Jikishim” que era voltada mais aos aspectos morais,
ensinava que através da prática do combate, o ser humano era levado a um
completo domínio do corpo e que “JU” era suavidade com força e força com
suavidade, denotando que não é um mero feito de força física, mas sim, uma
manifestação de racionalidade. (KODOKAN, 1961)
A escola de “Kito” foi fundamentada nos princípios do positivo e negativo da
filosofia Chinesa. Isto era refletido em seu nome japonês “KI” (subir) que era a
forma positiva, enquanto “TO” (cair) era a forma negativa.
Os Chineses representavam a forma negativa por “IN” significando sombra e a
positiva por “YO” significando luz. Então, o princípio da escola de “Kito” era
que a sombra podia ser conquistada pela luz e a luz podia ser conquistada pela
sombra. O fundador deste estilo, Likubo Tsunetoshi é considerado um dos
primeiros mestres no ensino do Ju Jutsu na era Tokugawa. As técnicas de projeção
originárias de formas mais antigas, como o Sumô, eram sua especialidade. A
escola “Tenjin Shinyo” fundada no início do século XIX por Fukuda Hachinosuke
era especializada em técnicas com finalizações no solo, através de
estrangulamentos, imobilizações e de ataques a pontos vitais (KODOKAN, 1961).
Essa escola entendia o JU como submisso, o que salientava a necessidade do corpo
obedecer a mente e assim, as escolas de Ju Jutsu incorporaram o “JU” na sua
arte, porque desejavam acentuar que toda técnica era baseada no princípio do
fraco poder dominar o forte.
Ratti e Westbrook (1994) destacam a especial importância que tiveram as idéias
de Massatomo Isso, um dos seguidores dessa escola. Em relação ao princípio do
“Ju” ele diz que os músculos demasiados desenvolvidos e a excessiva dependência
da força muscular trazem consigo características de rigidez e lentidão. Ele
então prefere destacar a flexibilidade, como a de uma criança, que lhe parece a
característica mais visível de vida e de ação.
Morohashi,T. (1955) (citado por KODOKAN, 1961) refere-se ao ideograma JU como
“uma jovem árvore que através de sua flexibilidade não teme que seus galhos se
quebrem”.
A tradução comum de “JU” como suave é usualmente mal interpretada. As técnicas
do Ju Jutsu parecem não ser de todo gentil quando demonstradas com eficiência e
velocidade, mas a essência do JU é adaptar-se com flexibilidade e inteligência
às manobras estratégicas do adversário. A aplicação correta da força apenas
necessária, funcional e específica para o momento, a utilização do desequilíbrio
e o uso eficiente e eficaz das alavancas e leis da mecânica, farão com que o
praticante através do treinamento, tenha um completo domínio da técnica e de si
mesmo. Isto é a essência do “JU”.
“JUTSU”. O significado e a história
O ideograma JUTSU tem origem no “Buguei” ou “Bu Jutsu” (artes guerreiras), e
significa; técnica, habilidade, astúcia. O termo Bu Jutsu era utilizado para
denotar as técnicas, artes e métodos de combate desenvolvidos e praticados
principalmente pelos membros da classe militar, os Bushi, conhecidos como
Samurai. Portanto o termo Bu Jutsu identificou até certa época as artes
guerreiras do Japão.
Ju Jutsu é traduzido como “técnica/arte suave” ou “técnica/arte flexível”. Jutsu
era então, uma palavra comum e foi muito usada na época do Japão Feudal, pois
completava os nomes de todas as atividades e artes guerreiras. (DRAEGER, 1974)
Todas as formas de Jutsu, isto é, aqueles sistemas de combate cujos nomes
incluem o sufixo Jutsu, foram desenvolvidos através do “Bu Jutsu”.
O “Bu Jutsu” foi criado e conservado pelos grupos de organização familiar
tradicional e mais tarde, pelas organizações sem linhagem de sangue chamada
“Ryuha” (escola, estilo) que foram se ramificando. Mais de 7 mil “Ryuha” foram
catalogados, indicando que existia uma infinidade de métodos de combate no
Japão, provavelmente maior do que em qualquer outra nação. Foram desenvolvidas
técnicas próprias para utilização de armas como: espadas, lanças, bastões, etc,
mas somente o Ju Jutsu não utilizava armas e sim o princípio de que “a
flexibilidade pode vencer a força”, que veio a ser o denominador comum de todas
as escolas ou estilos de Ju Jutsu. (DRAEGER, 1974)
Alguns pesquisadores como Seiko F. (citado por Draeger, 1969) enumeraram 34
modalidades de Jutsu. Watani K. (citado por Draeger,1969) selecionou 44, mas
nunca houve ou se teve conhecimento de uma listagem padrão. Podemos citar
algumas como:
Ken Jutsu |
- Técnica de Esgrima |
Ba Jutsu |
- Técnica de Equitação |
Suiei Jutsu |
- Técnica para nadar ou lutar dentro d’água |
Shuriken Jutsu |
- Técnica de lançar Laminados |
Bo Jutsu |
- Técnica com Bastão |
Hojo Jutsu |
- Técnica de amarrar um inimigo |
Karumi Jutsu |
- Técnica pela qual o guerreiro se tornava mais leve para saltar, esquivar, subir, etc. |
(Adaptado de Draeger, 1969)
JU
JUTSU (JIU JITSU ). Origem e evolução
Desde
os primórdios da civilização a prática da luta sempre foi constante na vida do
ser humano, não só para a sua sobrevivência, mas também como atividade física de
lazer e competição. O combate corpo a corpo traduzido para o inglês como
Wrestling, é reconhecido como a mais antiga forma de luta. Os vestígios mais
relevantes sobre a prática da luta nas mais antigas civilizações, foram
encontrados no Egito, em Beni Hassan em pinturas no interior das tumbas de
Amenemhat e Kheti (XII dinastia) datadas por volta de 2.000 a.C. Os túmulos dos
monarcas de Beni Hassan são conhecidos pelas suas representações de 59 pares de
lutadores em ação, mostrando de forma organizada, os mais diversos movimentos e
variações de arremessos, preensões e pegadas. É a mais antiga representação
gráfica desse tema contendo inscrições. (VILLAMÓN, 1999)
Na Índia e Paquistão a luta já era difundida e praticada antes da invasão Ariana
(1500 A.C) onde provavelmente era usada como forma de exercícios naturais
(DRAEGER, 1974). Uma das artes guerreiras mais antigas da Índia, é o Vajra
Musti, dominada pelos Jethis, uma casta dos Brahmin, lutadores
profissionais que difundiram sua técnica por volta do ano 1000 A.D em Modhera,
norte de Gujarat. O Vajra Musti é citado na enciclopédia Manasollasa de autoria
do rei Someshvara (1124 – 1138 A.D ) como origem do Kalaripayit,
que nas línguas Tâmil e Malaiala, significa literalmente “treinamento ou prática
para o campo de batalha”.
Tecnicamente é dividida em dois estilos de combate: com e sem armas (REID &
CROUCHER, 1983) A luta sem armas é caracterizada por técnicas de saltar e chutar
, passos longos e golpes aplicados com as mãos e braços. As técnicas de ataques
a pontos vitais são chamadas de Marma adi, literalmente “ensinamentos secretos”.
A prova mais evidente de que o Kalaripayit é uma arte tipicamente
Indiana, é comprovada pela existência de danças folclóricas e clássicas
tradicionais da Índia, que tem evidentes relações com as artes guerreiras, e
também pelo fato de atualmente ser praticada pelos camponeses e aldeões, os
quais são famosos pelo seu conservadorismo e suas profundas relações com a vida
social e religiosa no campo.
Já na China a mais evidente prática de artes guerreiras data de 2600 A.C.
durante o reinado do imperador Huang Ti. Segundo Draeger (1974) existem indícios
nos textos de Confúncio de que as artes marciais eram praticadas em 1496 A.C,
porém foram amplamente difundidas em 496 A.C devido a chegada do Monge Indiano
Bodhidarma, nas montanhas de Song Shan. Após estabelecer-se no monastério
Shaolin, não só criou a seita budista Zen, mas também ensinou técnicas de
combate aos monges budistas, que séculos depois culminou na prática
sistematizada do Wushu (ocidentalmente conhecido como Kung Fu).
Inúmeros sistemas de luta “corpo a corpo” foram desenvolvidos no Japão. O mais
antigo relato nas crônicas antigas do Japão (Nihon Shoki) escrito no ano 720 A.D
mencionando a existência de um estilo de luta denominado, Chikara Kurabe
(comparação de força), como um tipo de luta com agarres cujo objetivo era
derrubar o adversário. Descreve também, no reinado do imperador Suinin, um
combate entre dois lutadores ocorrido em 230 A.C. Nomi no Sukune, famoso
praticante do combate sem armas, derrotou Taema no Kehaya, a quem se atribui a
criação das primeiras regras do Sumô, introduzido nos festivais e cerimônias da
corte imperial entre 710 – 793 A.D. Naquele tempo as regras de combate eram
reduzidas e as lutas poderiam desenvolver-se até a morte de um dos
competidores.Outros documentos datados por volta do ano 1000 A.D. descrevem a
mecânica e o espírito combativo de lutas similares no Japão. (KODOKAN, 1961)
Na ascensão da casta dos Samurai ao poder no Japão estabelecido em 1185 um longo
período de guerras se sucedeu e vários sistemas de luta “corpo a corpo” foram
desenvolvidos nessa época. Posturas, movimentos, táticas e técnicas primitivas
do Chikara kurabe e do Sumô foram aperfeiçoadas, praticadas e totalmente
utilizadas para aumentar a eficiência em combate com e sem armas. Neste período
de guerras entre feudos foi quando as artes guerreiras mais se desenvolveram.
Uma das formas de luta praticada entre os guerreiros que mais tarde
influenciaram os arremessos no Jiu Jitsu e no Judô, e depois, nos primeiros Kata
do Kodokan, foi uma arte de luta denominada “Yoroi Kumi Uti”, um método de
agarramento entre guerreiros com armadura. (OTAKI, DRAEGER, 1983).
Historiadores Japoneses consideram o estilo “Takenouti Ryu” criado por Takenouti
Hisamori, como sendo o principal núcleo do Ju Jutsu no Japão.
Embora tenha praticado as técnicas de combate com as mãos vazias foi só
estabelecer seu estilo (Ryu) por volta de 1530 A.D. Takenouti, estimulado também
pelas técnicas do Sumô, chamadas na época de “Kumi Utchi” do estilo “Seigo”,
adaptou-as com as técnicas de domínio aprendidas com um “Yamabushi” (eremita) e
criou um método de combate que veio a ser conhecido como “Kogusoku”. Esse método
e outros foram mais tarde classificados sob o nome de Ju Jutsu, que era aplicado
para numerosos sistemas de combate armado ou desarmado podendo ser usado contra
inimigos armados ou desarmados, tanto na luta em pé como no solo (DRAEGER,
1974).
Dos muitos sistemas de Ju Jutsu oficialmente documentados e que tiveram seu
desenvolvimento no Japão, surgiu um método de ataque a pontos vitais de origem
chinesa chamado “Tien-hsueh”, totalmente desconhecido fora da China, tornou-se
conhecido no Japão como “Atemi”.
Segundo, Mifune (1956), o chinês, Cheng Tsu U, chegou ao Japão em 1659, se
instalando em Edo, atual Tokyo e residiu temporariamente no templo Kosuseiji,
onde dava palestras e ensinava técnicas de luta denominadas “Ju”. Os Samurai
Fukuno Hichirouemon, Isomi Irozaemon e Miura Yojiuemon que também residian no
local, foram os que mais se interessaram pelas técnicas e mais tarde seguiram
ensinando e criando novos estilos.
Esses métodos eram restritos à classe guerreira (bushi) e como parte dos
sistemas “Ch’uan-fa” (método de batidas com o punho) da China integrou-se com os
vários estilos do Bu Jutsu. Com o passar do tempo, vários métodos de combate
como: Wa Jutsu,, Tai Jutsu, Koshi no Mawari, Kogusoku, Kempo, Yoroi Kumiuti e
Yawara entraram em contato entre si, sofreram influências, e por volta do ano
1700 A.D. da era Tokugawa no Japão, vieram a formar e denominar Ju Jutsu, o
método derivado diretamente do Yawara ou Yawa Jutsu. Yawa é um dos modos de se
ler Ju, cujo ideograma é o mesmo usado para escrever Judô e Ju
Jutsu . O maior desenvolvimento do JIU JITSU se estendeu do século XVII ao XIX
como um método de luta eficiente e sem limites.
Portanto pelos fatos históricos a origem do JU JUTSU (JIU JITSU) vem de várias
formas de lutas orientais/ocidentais primitivas e sistematizadas com
características de ataque e defesa. Desenvolvido a partir do Bu Jutsu, foi
praticado pelos guerreiros japoneses, os samurais, seus mais diretos e perfeitos
cultores e como, exímios lutadores, vieram a ser os que mais contribuíram na
formação do JU JUTSU como técnica de luta completa.
Regras e normas apareceram mais tarde como uma forma de evitar que os
praticantes viessem a sofrer ferimentos graves. Em seguida, veio servir como
base de dois métodos de luta japoneses, o Judô e o Aikido, cujos criadores,
respectivamente, Prof. Jigoro Kano e Prof. Morihei Ueshiba, ex - praticantes de
diferentes estilos de Ju Jutsu e Aiki Jutsu, criaram um método de educação
física com objetivos educacionais em busca do aperfeiçoamento humano, evoluindo
do Bu Jutsu (artes guerreiras) para o Budo (artes guerreiras com princípios
educativos) (COURTINE, 1977).
Organização e prática do Jiu Jitsu no mundo
Como modalidade esportiva, a Federação Internacional de Jiu Jitsu (J.J.I.F.)
adotou regras para competição (Fight System - Luta) e para demonstração (Duo
System – demonstração de defesa pessoal em duplas) com o objetivo de demonstrar
o Jiu Jitsu tradicional, como luta completa, isto é;
1. Técnicas de batidas com as mãos e pés (sem contato), na luta à distancia
2. Técnicas de arremesso quando em contato em pé.
3. Luta no solo, com técnicas de estrangulamentos, chaves e imobilizações
(JJIF,1994)
As três partes são obrigatórias, levando o praticante ou atleta a demonstrar
habilidade técnica, domínio e precisão de movimentos, sem colocar em risco a
integridade física do adversário.
Em 1993 foi organizado pela Federação Internacional a primeira Copa Mundial de
Jiu Jitsu na Dinamarca com a presença de 18 paises, e a participação do Brasil
com grandes nomes do Jiu Jitsu Brasileiro, tais como: Fábio Gurgel, Silvio
Behring e Fernando Yamazaki, que na sua categoria conquistou medalha de bronze.
No primeiro Campeonato Mundial em Bolonha, Itália, em 1994 o Brasil se
apresentou com equipe completa, inclusive com a participação de Wallid Ismail,
na época, famoso lutador de Jiu Jitsu Brasileiro. Nessa ocasião, pela primeira
vez o Brasil sagrou-se campeão Mundial de Jiu Jitsu com o atleta Marcelo
Figueiredo, Como integrante da Associação Mundial das Federações Esportivas
Internacionais (G.A.I.S.F.) (Sports Accord) o JIU JITSU em 1997 foi incluído nos
IV Word Games (Jogos Mundiais de Modalidades não Olímpicas) realizados em Lathi,
Finlândia, também vencido pelo brasileiro, Marcelo Figueiredo.
Esses jogos têm reconhecimento do Comitê Olímpico Internacional e são realizados
de quatro em quatro anos entre modalidades com pretensões de se tornarem
olímpicas. A participação nas competições reconhecidas pelas entidades que
dirigem o esporte no mundo é que autenticam o reconhecimento Internacional de
uma modalidade. Campeonatos mundiais são realizados a cada dois anos e sempre em
paises diferentes, o demonstrando o reconhecimento e o interesse na difusão
Mundial do JIU JITSU.
A luta de solo (NE WAZA)
Durante alguns anos, o idealizador do “moderno Ju Jutsu” Prof. Jigoro Kano
atravessou uma difícil fase, não só financeira, mas também com desafios
provenientes de lutadores de diferentes estilos de Jiu Jitsu. Muitos encontros
memoráveis foram realizados entre 1885 e 1886, com o intuito de testar a
eficiência do Judô Kodokan. Um lutador chamado Mataemon Tanabe foi um dos poucos
que venceu confrontos com alunos de Jigoro Kano. Tratava-se de um grande
especialista em técnicas de “shime waza” (estrangulamentos) aplicadas no solo.
Logo que o judoka o arremessava ao solo, Tanabe encaixava-lhe um
estrangulamento. Dessas derrotas Jigoro Kano aprendeu uma grande lição; a
necessidade de aprimoramento do Judô nas técnicas de domínio (katame waza) no
solo, (ne waza).
Alguns alunos do Kodokan especialistas em luta no solo de antigos estilos de Ju
Jutsu, tais como: Kaishiro Samura, Oda Tsunetane, Hajime Isogai e Suiti Nagaoka
foram designados para sanar essa falha e após algum tempo conseguiram melhorar
consideravelmente a luta no solo do Judô. Em 1889, em desafio que veio a ser
efetuado em Okayama, terra de Tanabe, Hajime Isogai dominou completamente
Mataemon Tanabe tanto na luta em pé como no solo. Desde então, as técnicas no
solo foram organizadas metodologicamente para o ensino do Judô no Japão, tendo
assim, grande desenvolvimento pela necessidade da combinação e seqüência com a
luta em pé para o solo.
O Jiu Jitsu Brasileiro
As primeiras referências que encontramos quanto à introdução do Judô /Jiu Jitsu
no Brasil, data de 18 /12 /1915, quando aqui chegou um grupo de lutadores
chefiados por Mitsuo Maeda conhecido como Conde Koma. Desse grupo faziam parte
ainda: Soishiro Satake, Okura, Shimitsu, e Raku todos lutadores que desde 1906
tinham partido do Japão com o objetivo de demonstrar e propagar o Judô / Jiu
Jitsu pelo mundo. Maeda era formado pela Universidade Waseda de Tokyo, uma das
precursoras do Judô entre as Universidades no Japão, assim como, Kawaishi que
organizou o Judô/Jiu Jitsu na França. Eram todos exímios lutadores tanto na luta
em pé como no solo, pois nos antigos estilos de Jiu Jitsu eram desenvolvidas
técnicas completas de ataque e defesa, ataques traumáticos a pontos vitais
(atemi waza), arremessos (nague waza), estrangulamentos e chaves de braços,
joelhos e pés.
Nessa época confundiam-se ainda os nomes dessa modalidade de luta. Apesar da
formulação técnica do Judô já ter sido realizada em 1887 e completada
pedagogicamente em 1890, sua difusão internacional caminhava a passos lentos. No
Brasil o vocábulo Ju Jutsu (Jiu Jitsu) continuava sendo utilizado, ao invés do
termo Judô, até os anos 40, e muitas vezes o Judô era chamado de “moderno Jiu
Jitsu” conforme o nome de uma revista publicada na época, “Revista de Judô” e
embaixo entre parêntesis (moderno Jiu Jitsu).
O primeiro livro escrito por Jigoro Kano em 1937 foi denominado “JUDO (JU
JUTSU)” Nesse tempo, muitos lutadores ganhavam a vida lançando ou aceitando
desafios, para sensacionais “lutas ensangüentadas”, estipuladas em contrato,
eram realizadas em circos, teatros e até em praça publica, às vezes, sem limite
de tempo ou rounds. Em Manaus, Brasil, dia 20/12/1915 a equipe de lutadores
dirigida por Maeda fazia sua primeira apresentação no teatro Politheama com
demonstrações e desafios. Até principios de 1916 Maeda fez várias lutas
desafios, e venceu todas, contra diversos adversários, como: Nagib Assef (greco
romana), Adolpho Corbiniano (boxe),e Severino Silva (greco romana). Dia
08/01/1916 os lutadores: conde Koma , Okura e Shimitsu partiram em viagem para
Londres, percorrendo alguns paises da Europa, ficando na capital amazonense
somente os lutadores Satake e Raku. Maeda voltou ao Brasil em 1917, radicando-se
definitivamente em Belém do Pará, encerrando assim seu trabalho em prol da
disseminação do Judô/Jiu Jitsu pelo mundo. No Brasil, Maeda realizou
espetaculares demonstrações em São Paulo e Rio de Janeiro, aceitando desafios de
enormes adversários e cultores de qualquer tipo de luta, sempre derrotando seus
oponentes de maneira fulminante. Consta que Maeda só perdeu duas vezes; a
primeira para Yoshio Yoshitake em competição no Japão, entre as universidades
Waseda / Keio e outra para seu companheiro de aventuras, Soishiro Satake em
Manaus, em 1919.
Maeda foi um dos grandes divulgadores do Judô; mas sua metodologia não era
propriamente de ensinar, e sim de demonstrar o seu valor através de combates com
lutadores de outras modalidades. Apesar de Soishiro Satake ter aberto em 1914 em
Manaus no Amazonas a primeira academia de Judô no Brasil, Mitsuyo Maeda, o conde
Koma, em 1921, então com 43 anos, iniciou o ensino do Judô / JiuJitsu no Clube
do Remo em Belém do Pará.
Nessa época houve o primeiro contato com a família Gracie através de Carlos
Gracie, aos 23 anos de idade, que juntamente com seus irmãos Gastão, George e
Helio, pela prática se adaptaram à luta no solo do antigo Jiu Jitsu, nesta época
já organizada pedagogicamente no Judô desde 1887. Os irmãos Gracie conseguiram
através dessa prática específica e perseverante, dar grande impulso no
aperfeiçoamento e desenvolvimento da luta no chão, que acabou sendo por eles,
denominada erroneamente de Jiu Jitsu. Adeptos dessa modalidade, os brasileiros,
adotaram então para o ensino e a prática, um método alternativo e fragmentado do
tradicional Jiu Jitsu. Foram criadas regras e pontuações, dando ênfase somente a
uma das partes do Jiu Jitsu; a “Luta no Solo”, com a denominação de “Jiu Jitsu
Brasileiro” ou “Brazilian Jiu Jitsu”
Chega-se a uma convergência de indícios de que, o Jiu Jitsu Brasileiro nasceu de
uma das partes da luta no solo do antigo Jiu Jitsu e da luta no solo do Judô,
como se comprova nas atuações de M. Maeda, aluno de Jigoro Kano introdutor do
Judô/Jiu Jitsu no Brasil e M. Kimura, campeão Japonês de Judô em 1949 e que
esteve no Brasil em 1951, vencendo seu desafiante Helio Gracie. São lutadores
que fizeram parte dessa correlação entre Judô, Jiu Jitsu e Jiu Jitsu Brasileiro.
Com uma metodologia de ensino fora dos padrões da Educação Física, salvo raras
exceções, o Jiu Jitsu Brasileiro se desenvolveu de um modo não tradicional das
artes Japonesas, relegando princípios educacionais e filosóficos da tradição
oriental. Segundo a revista francesa “Karate-Bushido”; 227(9), 24-27, ”os Gracie
são hoje iconoclastas das artes de lutas” “...usam frequentemente de um
procedimento ”pouco honrado” para colocar sua reputação: o desafio...” “... A
disciplina que os Gracie praticam chama-se “Jiu Jitsu Gracie” possuindo sua
própria tradição de desafios e dos afrontamentos entre escolas...”
Desde a década de 1940, a família Gracie, procurava desmoralizar adeptos de
outras modalidades de lutas fazendo desafios de maneira acintosa, arrogante e
truculenta, deixando em situação de humilhação e constrangimento, professores de
Judô que, seguiam princípios filosóficos e educacionais preconizados por Jigoro
Kano.
Muitas vezes com o objetivo de desprestigiar e depreciar o Judô, os Gracie
invadiam academias (Medhi, Jornal do Brasil 19/04/1968) e passaram aos desafios
não só contra o Judô, mas contra todas as lutas existentes na época. Assim foi
publicado no jornal A Gazeta de 02/07/1970; “Judô, Karate, Capoeira e Luta Livre
: tudo é vigarice. Quem for homem, apareça. Os Gracie estão desafiando”.
Após Marcelo Figueiredo ter conquistado pela primeira vez o título de Campeão
Mundial de Jiu Jitsu em Bolonha, Itália (1994), primeiro título oficial, e ainda
único, do Brasil nesta modalidade, começou a ser realizado em 1995, e desde
então, anualmente e sempre no Rio de Janeiro, o denominado Campeonato Mundial de
Jiu Jitsu (Jiu Jitsu Brasileiro) . Participam atletas de todo o Brasil e de
academias de outros países sem representar oficialmente seus países de origem.
Também anualmente são realizados campeonatos Pan-americanos em Miami, com
participação maciça de atletas, convidados de todo o Brasil.
É preciso enaltecer a força midiática da família Gracie desde os primeiros
passos do Jiu Jitsu no Brasil até os dias de hoje. Favoreceram, muitas vezes
até, sem uma preocupação pedagógica, a participação de expressiva amostragem de
jovens praticantes dessa modalidade no Brasil. Com a prática e participação,
muitos atletas desenvolveram técnicas próprias no Jiu Jitsu Brasileiro, e
adquiriu-se grande conhecimento e o aperfeiçoamento da luta no solo, também
utilizada no Judô.
A busca pelo prestígio, a falta de unificação a organização pedagógica,
político\ administrativa, e o lucro financeiro, talvez sejam o real motivo da
banalização de títulos no Jiu Jitsu Brasileiro que atualmente conta com 3 (três)
Federações Nacionais onde existem mais de 1200 títulos de “Campeões do Mundo” e
outros tantos campeões Pan-americanos da modalidade.
Quanto a participação do Jiu Jitsu Brasileiro como modalidade Olímpica; apesar
de ser difícil mais uma luta fazer parte do programa Olímpico, a probabilidade
maior é a inclusão do Jiu Jitsu com regras da Federação Internacional (JJIF),
pois já tem participação efetiva no World Games, faz parte da hierarquia das
modalidades com pretensões Olímpicas e tem reconhecimento das entidades que
dirigem o Esporte no Mundo, principalmente do Comitê Olímpico Internacional.
Referências
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Katsuura,Chiba, Japão 1986.
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- I.J.J.F. International Ju Jitsu Federation. Catalogue, Paris, 1994.
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Shinkosha Publishing Co. Ltd. Tokyo, 1961.
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- THOMAS, J. R.; NELSON, J. K. Métodos de pesquisa em atividade física.
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- VILLAMÓN, M. Introducción al Judo. Editorial Hispano Europea S.A.:
Barcelona, 1999.
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