Definição
A palavra iate em português pode levar a uma certa
confusão, pois tem duas origens e também dois significados. O primeiro vem de
Hiate que significa «navio de dois mastros sem mastaréus com pano latino
onde ambos os mastros têm caimento; o de proa para frente e o da popa para
trás», e a segunda é o aportuguesamento de yacht, de origem holandesa (jaghen)
e que significa «caçar».
Um dicionário holandês-latim de 1599 descreve um jaght
schip e um jaght como uma embarcação de guerra, comércio ou recreio,
ligeira e rápida.
Nessa época os ingleses e franceses usavam essa palavra para designar as
embarcações pequenas e rápidas que acompanhavam as armadas holandesas e que
serviam para levar despachos e oficiais mensageiros.
Se juntarmos a esta definição uma outra do Dicionário
Marítimo de 1771 de Falconer - «um navio que serve habitualmente para
transportar príncipes, embaixadores e outras personalidades. O objetivo
principal é transportar pessoas, pelo que é provido de acomodações próprias
correspondente à qualidade e quantidade de pessoas que embarca» - podemos chegar
ao que hoje em dia é considerado um iate e onde António Marques
Esparteiro, no seu Dicionário Ilustrado de Marinha, nos dá os seguintes
significados:
- barco usado exclusivamente para recreio e competições náuticas e
- barco do Estado para transporte de pessoas de distinção
O Navahoe
Origens
Na antiguidade usaram-se suntuosos navios e galeras para o
transporte de soberanos. Existem registros que falam desse uso com Cleópatra,
222 anos antes de Cristo, com a finalidade de ostentar o seu poder. Antes da
chegada dos espanhóis, alguns incas tinham luxuosas jangadas de recreio que
navegavam no lago Titicaca.
Este hábito de ostentação continuou com mais ou menos pompa até aos nossos dias
como por exemplo, mais recentemente, quando da sua visita a Lisboa em 1956, o
desembarque da rainha Isabel II de Inglaterra na galeota real que está hoje no
Museu de Marinha em Lisboa.
Foi a partir do inicio do séc. XVII, quando a Holanda começou
a prosperar através do comércio com o Oriente, que as famílias mais abastadas
puderam comprar embarcações próprias para se transportarem e recrearem.
Se velejar em mar aberto era perigoso (a pirataria apenas em meados do séc.XIX
foi erradicada das costas européias), as suas águas interiores e os seus canais,
permitiam aos seus proprietários usufruir de alguns momentos de lazer. É este o
momento em que se reconhece o nascimento do iatismo, tal como o conhecemos hoje.
Com a crescente riqueza da nação holandesa o número de iates foi-se
multiplicando até que em meados do séc.XVIII a posse de uma embarcação de
recreio era normal para toda a pessoa com algum estatuto na sociedade. O iatismo
é já um movimento social.
O príncipe Carlos de Inglaterra, exilado na Holanda até aos
21 anos, ficou rendido a esta moda. Em 1660, ainda na Holanda, foi proclamado
rei de Inglaterra. Quando Carlos II foi ocupar o seu trono importou também este
novo desporto para a Inglaterra.
No início o seu uso era ainda o transporte, com todos os luxos e comodidades a
bordo, mas o tempo deu paulatinamente lugar aos cruzeiros.
Em 1675, numa autobiografia de Roger North, está incluído provavelmente o
primeiro relato de um cruzeiro a bordo de um iate. No ano seguinte um relato
dava conta de um cruzeiro do rei inglês ao longo do Tamisa e das costas de Kent
a bordo do Fubb.
Em 1661 Carlos II mandou construir um navio nos estaleiros
ingleses a partir do Mary, um navio que lhe tinha sido oferecido pela cidade de
Amsterdã. Foi-lhe dado o nome de Catherine of Braganza, a princesa portuguesa
que viria a casar com o monarca inglês. Em vez das derivas laterais, muito
próprias para as águas baixas da Holanda, mandou os arquitetos adaptarem os
navios para as águas inglesas mais profundas. Um navio similar, o Anne, foi
construído para o seu irmão, o Duque de York.
O Bezan, o segundo iate oferecido pelos
holandeses a Carlos II em 1661
Os navios de carga já competiam entre si para ver quem
alcançava primeiro o porto de destino, mas o primeiro registro de uma competição
puramente desportiva entre iates deu-se precisamente entre o monarca e o duque.
John Evelyn recorda assim o evento:
«Eu fui esta manhã com sua Majestade num dos seus iates, embarcações
desconhecidas entre nós até a Companhia das Índias Orientais ter oferecido
essa curiosa peça ao rei; sendo no entanto excelentes embarcações à vela.
Foi numa disputa entre o seu outro novo barco, construído no tipo de uma
fragata (na época significava o bordo mais baixo e o convés mais corrido), e
um do Duque de York; a aposta era de 100 libras, a corrida de Greenwich a
Gravesend e retorno. O rei perdeu na ida, por o vento ser contrário, mas no
regresso salvou a honra. Havia diversos nobres e lordes a bordo e sua
majestade tomava por vezes o leme. Acompanhavam-no o seu escaler e o barco
de mantimentos.»
Foi uma época de competições entre os dois irmãos que
entusiasmaram a corte.
Com a morte de Carlos II houve um desinteresse que conduziu a um certo declínio
deste desporto em Inglaterra até ao reinado de Jorge III já no final do
séc.XVIII.
A partir do século XVIII começam a surgir em Inglaterra
algumas zonas na orla marítima, como Brighton ou Cowes, que atraem visitantes em
busca dos benefícios dos ares marítimos. Estes locais, abrigados das intempéries
e piratas, ofereciam agora em tempo de paz passeios para os visitantes que
inevitavelmente acabavam por uma competição entre os barcos para ver quem era o
mais rápido.
Por toda a Europa a classe mais favorecida tinha agora os seus iates como
afirmação social e para seu prazer.
O próprio Czar Pedro o Grande era um grande entusiasta.
Existem registros que indicam que em 1717 mandou construir mais de 100
embarcações para encorajar o gosto da navegação e aumentar o conhecimento
náutico. Pode ter sido esta a primeira organização do tipo de um clube náutico,
pois a frota tinha um nome, «Flotilha do Neva» (o rio que banha S.Petersburgo),
e navegavam com uma bandeira própria.
Antes de 1720 surge no sul da Irlanda, na época sob domínio
inglês, o primeiro dos clubes náuticos de iates, o Water Club of Cork. Era um
clube de aristocratas limitado a 25 membros que elegia anualmente um almirante.
Este comandava a frota através de sinais numa curiosa atividade de «perseguição»
a embarcações ao estilo de interceptações a contrabandistas. Os seus passeios
assemelhavam-se a manobras comandadas pelo almirante numa batalha naval.
Um dos iates do Cork Water Club
Durante a segunda metade do séc.XVIII realizam-se no Tamisa
as primeiras regatas à vela com alguma regularidade, as quais eram promovidas
pela aristocracia e pelo próprio rei.
Em 1815 é fundado em Cowes o Royal Yacht Squadron, um dos
mais prestigiados clubes do mundo. É neste século, sobretudo na segunda metade,
que por toda a Europa, Estados Unidos e no então Império Britânico se sucedem a
formação de clubes de iates. Primeiro em Inglaterra, alastrando depois a
Gibraltar(1829), à Suécia(1830), à França e Austrália(1838), aos Estados
Unidos(1944), à Índia(1846), à Bélgica e Países Baixos(1847), ao Canadá(1852), à
Dinamarca(1866), à Alemanha(1869), à Nova Zelândia(1871), à Itália(1879), etc.
Em Portugal a Real Associação Naval, hoje denominada Associação Naval de Lisboa,
é criada em 1855, sendo atualmente o mais antigo clube ibérico.
Linha de largada numa regata do NYYC em 1869
A partir deste momento são os clubes os grandes
impulsionadores ao organizarem regatas e grandes eventos internacionais. As
famosas regatas como a Taça da América, Fastnet, Whitbread, Vendeé Globe,
Sidney-Hobard, entre muitas outras, levam tripulações à aventura em embarcações
cada vez mais sofisticadas.
Até aos nossos dias, alguns nomes ficam célebres, tanto em competições como em
viagens. São verdadeiras lendas. Joshua Slocum faz a primeira volta ao mundo em
solitário no seu Spray em 1895 durante três anos. Francis Chichester ganha a
primeira regata para solitários entre Plymouth e Nova Iorque em 1960 e Eric
Tabarly, um verdadeiro dotado que se tornará uma referência incontornável da
vela mundial. Circum-navegam o globo quase vulgarizando travessias e passagens
tão temíveis como o Horn ou os mares austrais.
Tabarly no seu Pen-Duick III
Graças a eles o iatismo populariza-se em grande escala, tanto
nos seus países, como a nível internacional. Os oceanos passam a ser percorridos
em todas as direções por iates de todos os tipo e tamanhos, agora mais
acessíveis pelos novos materiais e processos de fabrico, tanto em cruzeiro como
em competição. Praticamente tocam constantemente em todos os pontos do globo.
Podemos encontrar um veleiro num recôndito canto de África ou nos confins do
Amazonas. As ilhas do Pacífico e do Índico já não têm segredos para nenhum
velejador e as Caraíbas e o Mediterrâneo estão cheios de velas.
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