PRINCÍPIOS Hoje, é bastante bem aceita a
idéia de que escalada é um termo genérico que engloba muitos esportes
diferentes. Mas nem sempre foi assim. Até os anos 60, acreditava-se que todos
os escaladores deviam seguir procedimentos e regras semelhantes. Foi então que
Lito Tejada Flores, escalador, fotógrafo e cineasta americano, escreveu um
ensaio chamado The Games Climbers Play (Os Jogos que os Escaladores
Jogam). Observando as disputas sobre a validade ou não de escalar em
artificial, de usar pitons ou grampos, de trabalhar a via com corda por cima ou
de grampear uma parede sem conquistá-la (em rapel), Flores percebeu que os
vários grupos de escaladores não estavam falando a mesma língua, e nem
jogando o mesmo jogo. Portanto, as regras que valiam para uns não eram
válidas, necessariamente, para os outros.
A regra básica
Em essência, o que Flores
observou é que as regras existem para que o jogo da escalada não fique fácil
demais - e nem difícil demais. Assim, quando uma modalidade não envolve
dificuldades naturais, criam-se regras para torná-la mais difícil. O melhor
exemplo disso é, provavelmente, o bouldering, a escalada de blocos ou falésias
com alguns poucos metros de altura. O escalador de boulder não precisa se
preocupar com o mau tempo, não precisa de resistência para agüentar o dia
inteiro na parede, não precisa lidar com o gelo instável dos glaciares e nem
com as avalanches. À primeira vista, tudo parece muito fácil. Mas as regras
dessa modalidade proíbem o uso de qualquer equipamento, exceto sapatilha e
magnésio. Até mesmo a corda está fora de cogitação para qualquer escalador
de boulder que se preze.
No outro extremo, temos as
modalidades que envolvem grande exposição às condições ambientais, como a
escalada de alta montanha. Nelas, os riscos ambientais são tão grandes, que
quase tudo é permitido: martelar pitons nas fendas, escalar em artificial,
subir com ascensores pela corda fixada por alguém, usar uma ponte de alumínio
para passar sobre uma greta e até mesmo respirar oxigênio engarrafado. A
idéia por trás disso é que o ambiente de alta montanha já traz dificuldades
suficientes. Assim, relaxam-se as regras para que a escalada não se torne
difícil demais.
Dificuldade Técnica x Extensão
Essas diferenças também se
refletem no grau escalado. A modalidade bouldering é a que atinge os mais altos
graus de dificuldade técnica. Afinal, é um lance só, algo comparável a uma
corrida de 100 metros rasos. A escalada esportiva vem logo em seguida, seria a
prova dos 200 metros rasos. As modalidades de via longa — escalada alpina e
big wall — são o equivalente vertical da maratona. Da mesma maneira que o
maratonista corre muito mais devagar do que o corredor de 100 metros rasos, os
escaladores alpinos e de big wall atingem graus técnicos bem mais baixos do que
aqueles que se dedicam às vias esportivas e ao bouldering. Na montanha, as
dificuldades são de outro tipo. Uma enfiada de 5a com o vento rugindo, uma
tempestade se aproximando, proteção precária ou inexistente e uma descida
complicada pela frente pode ser bem mais apavorante do que um lance de 8a a
poucos metros do chão numa via super grampeada.
O ensaio de Lito Tejada Flores
foi publicado no jornal americano Accent e reproduzido incontáveis vezes. Quem
quiser lê-lo na versão original pode comprar o livro The Games Climbers
Play, uma coleção de textos sobre escalada dos anos 60 que começa com o
artigo de Flores. Foi organizado pelo editor e escalador inglês Ken Wilson.
Mudanças Sutis
Nas últimas décadas, a
maneira de classificar as escaladas mudou um pouco. As regras do esporte
passaram a atender a outros interesses, além de simplesmente dosar a
dificuldade. Um dos mais importantes é a preservação das paredes rochosas e
do ambiente alpino. A idéia é dar aos nossos filhos e netos a oportunidade de
encontrar as paredes e montanhas que escalamos tão bem preservadas quanto
possível. Já não é mais aceitável, por exemplo, bater grampos perto de
fendas que permitem boa proteção com material móvel, abandonar lixo num
campo-base de alta montanha ou jogar saquinhos com fezes do alto de uma big wall
– todas práticas toleradas 30 anos atrás.
Mesmo com essas mudanças, o
princípio básico apontado por Flores nos anos 60 continua valendo. Uma
classificação contemporânea da escalada em rocha pode ser feita em cinco
modalidades diferentes, cada uma com suas próprias regras e objetivos. As
modalidades de vias curtas são bouldering e esportiva. As de vias longas são
big wall e alpina. A escalada livre tradicional fica entre esses dois extremos.
Em gelo, as modalidades de vias curtas são cachoeiras congeladas e escalada
mista. As de vias longas são alpina e alta montanha. Não há uma fronteira
rígida entre uma e outra modalidade. Há vias que são híbridas, apresentando,
ao mesmo tempo, características alpinas e de big wall, ou de escalada
tradicional e esportiva, por exemplo.
MODALIDADES EM ROCHA E MURO ARTIFICIAL
Muro Artificial
A escalada esportiva em muro artificial é divertida, exige pouquíssimo
equipamento, é 100% segura e pode ser praticada mesmo com chuva ou milhares de
quilômetros longe das montanhas. Por isso, é uma ótima forma de treinamento
para quem mora longe da rocha.
É também a única modalidade competitiva
reconhecida pela União Internacional de Associações de Alpinismo, UIAA. Em
geral, a escalada em muro artificial para fins de treinamento ou simples diversão
é feita com corda por cima. Já nas competições, a segurança é dada por
baixo.
Bouldering
Modalidade radicalmente atlética. Atinge os mais altos graus de dificuldade
técnica entre todas as formas de escalada. Um problema de bouldering consiste
num único lance, extremamente difícil, que é escalado sem corda, sempre a
poucos metros do chão. As quedas são normais e fazem parte do jogo.
Embora o
escalador possa ferir o tornozelo se cair de mal jeito, a modalidade é bastante
segura; é improvável que aconteça um acidente grave em bouldering. Ao
praticar bouldering, é recomendável remover as pedras soltas do chão e ter
alguém por perto, de prontidão, para equilibrar o escalador quando ele cair,
evitando que caia de mal jeito.
Escalada Esportiva
Modalidade atlética em rocha que se desenvolveu muito nos anos 80. Envolve
regras e um vocabulário bastante específicos. É praticada em vias curtas
(raramente mais de 20 metros), de grande dificuldade técnica (a maioria acima
do 7o grau) e sempre bem protegidas. Em escalada esportiva, não
existe conquista de via. As vias são grampeadas de cima para baixo, em rapel.
As costuras são também colocadas em rapel. Quando se usa proteção móvel, o
que é raro nessa modalidade, as ancoragens são previamente instaladas na
rocha. Como nas competições em muro artificial, o escalador sobe sem nenhum
material de proteção e vai engatando a corda nos mosquetões previamente
instalados à medida que progride.
O objetivo básico é escalar a via inteira, a partir do chão, com segurança
por baixo, sem cair e sem se apoiar na corda ou nos grampos para descansar. Isso
é chamado de redpoint ou encadeamento. Se uma via foi grampeada (também se diz
equipada) mas ninguém conseguiu fazer o redpoint, então ela é chamada de
projeto. Se o redpoint for conseguido na primeira tentativa, ganha o nome de
flash. Se o autor do flash não viu ninguém escalando a via antes, então
trata-se de um flash on-sight. Se o escalador cai repetidas vezes enquanto
ensaia uma via, isso é chamado de hangdogging. Em geral, os catálogos de vias
esportivas indicam o nome do autor do primeiro redpoint que, quase sempre, é o
mesmo esportista que grampeou a via. Na escalada esportiva ortodoxa, não se
escala com corda por cima, exceto como treinamento.
Mesmo para quem prefere a
escalada tradicional, vale a pena praticar um pouco em vias esportivas. É uma
ótima maneira de desenvolver as habilidades para escalar graus mais elevados
Dicas para Escalada Esportiva
Escalada Livre Tradicional ou Clássica
Na escalada livre tradicional, o objetivo é escalar a via no melhor estilo
possível. Isso significa basicamente evitar o uso de pontos de apoio
artificiais. Ainda assim, ao contrário do que acontece na escalada esportiva,
uma via tradicional pode incluir algum trecho de progressão em artificial. Em
geral, o grau de dificuldade técnica atingido é mais baixo do que nas vias
esportivas (raramente acima do 7º), mas há a exigência de resistência física
para suportar longas horas na parede. Além disso, há um contato maior com o
ambiente, o que torna recomendável conhecer um pouco de meteorologia e até de
navegação em trilha (para chegar até a via).
Na escalada livre clássica, as vias são conquistadas, quer dizer, a
primeira ascensão é feita com segurança por baixo. Nesta modalidade, e também
na escalada alpina e na de big wall, a ascensão é, em geral, feita em duplas.
Cada escalador se prende a uma das pontas da corda. Aquele que sobe primeiro é
chamado de guia e, o outro, de participante ou segundo. Este escala com segurança
dada por cima pelo guia. É comum os dois trocarem de posições após cada
enfiada de corda. A proteção móvel é empregada sempre que possível (ou
seja, sempre que existirem fendas adequadas) e pode haver trechos sem proteção
nenhuma na via (graus R ou X na graduação de Ericson).
A regra básica, nas conquistas, é proteger suficientemente os lances mais
difíceis e supor que o guia não vai cair naqueles bem mais fáceis (dois graus
ou mais abaixo do lance mais difícil). Ninguém deve esperar uma segurança
total, como a encontrada na escalada esportiva. Na escalada tradicional há
alguns lances em que, simplesmente, o guia não deve cair, e outros em que a
queda é aceitável (geralmente, os mais difíceis). É normal uma via
tradicional exigir duas cordas para o rapel de descida.
Big Wall
A modalidade big wall consiste na ascensão de grandes paredões de pedra com
trechos verticais, tetos e negativos. Essas escaladas podem demorar vários dias
e fazem uso intenso de técnicas de progressão em artificial.
O rack de material necessário para entrar numa big wall é, às vezes, maior do
que todo o estoque de uma loja média de equipamentos brasileira. Uma lista típica
para uma via de artificial limpo (sem pitons) incluiria uns 80 mosquetões
ovais, 2 jogos de Camalots, 2 jogos de TCUs, 2 jogos de stoppers, 2 jogos de
micronuts, um dúzia de hooks variados, umas 30 fitas, 3 ou 4 cordas, 1 ou 2
haulbags, 1 portaledge, o material de bivaque e, somente para emergências, um
kit de grampeação.
Junte a isso comida e água para uma semana e você já pode imaginar o
tamanho e o peso da carga, que é içada com ascensores e polias. Numa via de
pitonagem típica, além desse material, os escaladores carregariam entre 40 e
60 pitons variados, dois martelos e um extrator de pitons. A tendência, hoje,
é no sentido de se evitar ao máximo o uso de pitons, já que eles estragam as
fendas. Além disso, algumas walls clássicas vem sendo escaladas num único dia
por atletas de muito alto nível.
MODALIDADES MISTAS E EM GELO
Escalada Alpina
A escalada alpina envolve ascensões em ambiente de montanha. São sempre
vias de grande extensão, em geral com visual espetacular. Podem ou não incluir
trechos de progressão em artificial, e também em gelo. Esta é uma modalidade
de extrema exposição às condições ambientais. Nela, conhecimentos básicos
de meteorologia, navegação, nutrição esportiva e até primeiros socorros
(necessários se alguém se machucar) são fatores importantes para o sucesso e
para a sobrevivência. O guia também precisa ter uma certa habilidade para
farejar a via e encontrar o melhor caminho para o cume, que nem sempre é uma
linha bem definida. Deve, ainda, ser capaz de avaliar as condições do gelo e
da rocha e tomar decisões de maneira a evitar áreas sujeitas a avalanches.
Em muitas vias alpinas, é preciso carregar duas cordas, um rack completo de
proteção móvel em rocha, sapatilhas, botas duplas para o gelo, crampons e as
ferramentas habituais de escalada em couloir, glaciar ou parede de gelo. Isso
significa escalar com uma mochila bastante pesada. Além disso, como as vias são
muito longas, é normal começar a ascensão de madrugada, ainda no escuro. Esta
é a modalidade de escalada que exercita conhecimentos e habilidades mais
variados.
Alta Montanha
É a ascensão de montanhas de grande altitude. Nela, além de todas as
dificuldades da escalada alpina em gelo e neve, é preciso enfrentar a escassez
de oxigênio. O escalador de alta montanha deve ter um certo gosto por situações
de extremo desconforto.
Além disso, deve estar apto a lidar com avalanches,
tempestades e temperaturas de muitas dezenas de graus abaixo de zero.
É uma
modalidade que exige muito tempo para aclimatação, aproximação da montanha,
espera por um período de bom tempo, ascensão e retorno. Para quem tem apenas
um mês de férias, é difícil praticar alta montanha.
Cachoeiras Congeladas
Nos países frios, onde as cachoeiras se congelam no inverno, elas
proporcionam excelente diversão a escaladores de gelo. A ascensão de
cachoeiras congeladas atinge graus de dificuldade mais altos do que a escalada
alpina em gelo.
O equipamento empregado é bem específico: um par de picaretas
curtas (50 centímetros), crampons com um único dente frontal serrilhado (monopoint), muitos parafusos e fitas.
Escalada Mista
Esta é a modalidade que atinge o mais alto grau de dificuldade em gelo.
Consiste na ascensão de paredes rochosas parcialmente cobertas de gelo, sempre
com crampons e picaretas.
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